terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

UNIVERSAL QUER INTIMIDAR, DIZEM ENTIDADES

Juristas, magistrados e entidades de classe e da sociedade civil criticam a iniciativa da Igreja Universal do Reino de Deus de incentivar fiéis a moverem ações de indenização em juizados especiais, nas mais distantes cidades do país, contra jornais e jornalistas. Eles dizem que a estratégia revela uma tentativa de intimidação da imprensa e atenta contra a liberdade de expressão. ´´O Poder Judiciário deve dar uma resposta urgente, firme e direta contra esse expediente. O processo é absolutamente ilegal. O juiz tem o dever de evitar [o processo] até em um despacho inicial´´, diz René Ariel Dotti, professor e vice-presidente da Associação Internacional de Direito Penal. ´´Esse é um expediente antiético. É um novo modelo de intimidação à imprensa. Isso é um gravíssimo atentado à liberdade de imprensa, que não deve prosperar´´, diz Dotti. Segundo o jurista, o juiz tem o dever de manter o equilíbrio entre as partes. ´´Não é possível que o processo sirva para o triunfo de uma parte em opressão da outra como ocorre nesse caso.´´ No total, há 56 ações de fiéis da Iurd contra a repórter Elvira Lobato e a Folha. Cinco delas já foram extintas. Houve dois casos em que, além de extinguir o processo, os juízes ainda condenaram os fiéis por usar o Poder Judiciário de forma indevida (litigância de má-fé). Eles terão de pagar custas e despesas processuais, além de multa. Cabe recurso. Das seis audiências marcadas para ontem dos processos em nome de fiéis da Universal contra a Folha e a jornalista, três foram remarcadas: em Santa Luzia (PB), Irecê (BA) e São Benedito (CE). As três audiências que ocorreram não tiveram decisão final. Elas foram realizadas em Lago da Pedra (MA), Carapebus (RJ) e Cruzeiro do Sul (AC). A Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) anunciou que pedirá ao Itamaraty uma posição em órgãos internacionais contra censuras prévias e intimidações à imprensa. Em movimento paralelo, a Article 19 -ONG que defende a liberdade de imprensa com escritórios em vários países-, vai levar o caso à Corte Interamericana dos Direitos Humanos, junto com a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e o Centro pela Justiça e Direito Internacional. A comissão, órgão da OEA (Organização dos Estados Americanos), pode recomendar ao Brasil mudanças na legislação caso considere que há ameaça à liberdade de expressão. A coordenadora da Article 19 no Brasil, Paula Martins, diz que ´´há uma clara tentativa de intimidação´´. Em nota divulgada ontem, a ABI (Associação Brasileira de Imprensa) afirma ser evidente que há ´´um cérebro no comando a centralizar a instauração dessas ações judiciais´´ e ´´a nítida intenção de dificultar o direito de ampla defesa e do contraditório´´. Ato de coragem A cientista política Maria Tereza Sadek, que pesquisa o Judiciário, diz que os juízes têm que ter ´´um ato de coragem para condenar os autores por litigância de má-fé´´. Para ela, o Judiciário ´´tem que cortar pela raiz, [os processos] não poderiam proliferar dessa maneira´´. Taís Gasparian, advogada da Folha, afirma que ´´impressiona o fato de que as petições dessa demanda sejam praticamente idênticas e que muitas delas tenham sido distribuídas em cidades nas quais a Folha de S. Paulo nem mesmo circula´´. Para o juiz Jayme Martins de Oliveira Neto, da 13ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, o juizado especial foi montado para ajudar o cidadão comum no acesso à Justiça. ´´Quando se verifica que o sistema passa a ser utilizado de maneira que foge a esses padrões, ou por ma-fé ou porque os argumentos são repetitivos, idênticos em pontos distantes do país, o sistema passa a ser desvirtuado com evidente prejuízo para a defesa´´, diz Neto, que atuou durante anos em juizados especiais. Em editorial publicado ontem sob o título ´´Empresário quer intimidar a imprensa´´, o jornal ´´O Estado de S. Paulo´´ afirma que, ´´felizmente, os magistrados encarregados de julgar esses processos já perceberam a má-fé dos reclamantes´´. Sob o título ´´Conspiração´´, editorial de ´´O Globo´´ na última sexta-feira diz que o caso ´´representa, na verdade, uma ação arquitetada, usando métodos espúrios, contra a liberdade de expressão e de imprensa´´. O advogado José Paulo Cavalcanti Filho, ministro interino da Justiça no governo Sarney, diz que há ´´um movimento conduzido pela própria igreja, um instrumento de pressão para desestimular outros meios de comunicação´´ [a tratar dos negócios da Igreja Universal]. A Folha procurou o departamento jurídico da Record e os advogados da Universal, mas eles não se pronunciaram até o fechamento desta edição.

Fonte: Jornal Folha de São Paulo, 19 de fev. 2008

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