quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Integrando a Palavra de Deus na nossa vida

“‘Pois nele vivemos, nos movemos e existimos’, como disseram alguns dos profetas de vocês: ‘Também somos descendência dele.’” (At 17.28.) É difícil não falar da Visão Mundial. É com ela, viajando mundo afora, que passo grande parte do tempo. No intento de servir a Cristo, a Visão Mundial presta ajuda humanitária em situações de desastre, promove o desenvolvimento humano em comunidades carentes e se engaja na busca da justiça. Uma coisa com a qual estamos sempre batalhando é como integrar a fé e a expressão do testemunho cristão em tudo o que fazemos e no nosso próprio jeito de ser. Afinal, não queremos que a nossa fé seja cosmética, seja em relação à nossa vida, à nossa organização, ou ao nosso trabalho. Se não cuidamos, tomamos facilmente o caminho da compartimentação. Arrumamos espaço para cultivar nossa espiritualidade — ler a Bíblia, orar e compartilhar —, mas logo voltamos ao trabalho, que tem a sua própria lógica. A lógica do nosso conhecimento e da nossa experiência. A lógica do nosso “mercado”. Vivemos um desafio: deixar que a lógica do reino de Deus determine a nossa existência, ministério e trabalho; e para isso acontecer, precisamos estar constantemente nos convertendo a Deus. O reino de Deus e a sua justiça precisam penetrar e determinar o colorido do tecido da nossa vida pessoal, institucional e operacional. Muitas igrejas evangélicas no Brasil carecem de preocupar-se com a integração do evangelho no tecido da nossa sociedade. Experimentamos um crescimento que gera muito movimento, barulho e desfile, mas temos enormes dificuldades em abraçar a lógica do reino de Deus, que é a lógica do amor, do serviço e da justiça. Temos dificuldade em concretizar a realidade dos frutos do Espírito, que é “amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio” (Gl 5.22). Assim, embora as igrejas cresçam, é difícil ver isso gerando frutos do Espírito na nossa sociedade e mesmo em nossas comunidades eclesiais. O que se vê, muitas vezes, são frutos do “é dando que se recebe”, traduzidos tanto numa versão barata de prosperidade quanto na prática e vivência do “sanguessuga”. Os recentes acontecimentos em torno dos “sanguessugas” e a constrangedora revelação de que um número significativo deles eram parlamentares “evangélicos” geraram indignação, protesto e o reconhecimento de que não basta crescer, encher igrejas e galgar postos estratégicos na sociedade. As conseqüências da volúpia e a avidez com a qual nos lambuzamos nestes “espaços conquistados” nos levam a perceber quanta vergonha trouxemos para Deus e para o Corpo de Cristo. Já não somos identificados como um grupo de caráter ético. Já não somos reconhecidos como aqueles que falam a verdade e cujas vidas se pautam pela integridade e busca da justiça. É verdade que não se pode pensar que todos os evangélicos são farinha do mesmo saco. Eu mesmo não quero ser comparado com esses “evangélicos” marcados pela lógica do “é dando que se recebe”. Mas precisamos reconhecer que fazemos parte da mesma família. Aliás, uma família que precisa encontrar os caminhos do arrependimento e comprometer-se com a lógica do reino de Deus, que quer marcar a vida, não apenas de nossas igrejas mas de toda a nossa sociedade. Abraão, quando chamado por Deus, foi convocado a ser uma bênção — e isso aconteceu à medida que ele vivia a sua vida e cumpria a sua vocação. Assim também nós somos chamados a ser uma bênção, o que não quer dizer que vamos acumular bens materiais. Quer dizer que seremos marcados por uma vida de serviço. Significa que vamos modelar a vida em comunidade e lutar pela construção de uma sociedade que tenha sede de justiça, verdade e amor, uma sociedade cujo tecido seja marcado pelas cores do evangelho. Na Visão Mundial, às vezes nos perguntamos em que consiste o testemunho cristão em contextos altamente conflituosos. O nosso mundo está cada vez mais marcado por lugares onde o evangelho é de difícil pronunciação e sempre nos perguntamos pelo lugar da Palavra nesses contextos. Então percebemos que precisamos fazer o nosso trabalho de serviço ao próximo de tal maneira que a pergunta possa surgir — a pergunta acerca da nossa vida e da nossa fé, a pergunta que pode gerar o nosso testemunho. Qual é a pergunta que a nossa vivência evangélica tem gerado? Qual é a pergunta que o Brasil tem feito aos políticos evangélicos? O que perguntam os pobres aos “pastores” que só sabem pedir dinheiro e anunciar bênçãos baratas? Qual é a pergunta que as mulheres e crianças violentadas fazem aos homens que freqüentam nossas igrejas, mas nem por isso são menos violentos do que os outros? Qual é a pergunta que os desempregados fazem a uma igreja que não investe na construção de caminhos de formação profissional mas vive berrando ao microfone que Deus vai dar emprego a todos? Qual é a pergunta? Você sabe?


Valdir Steuernagel é pastor luterano e trabalha com a Visão Mundial Internacional e com o Centro de Pastoral e Missão, em Curitiba, PR.

Fonte: Revista Ultimato

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